TRIBUNAL DE JUSTIÇA AUTORIZA TRANSFERÊNCIA DE CRÉDITOS DE ICMS PARA TERCEIROS
“quando evidenciada a impossibilidade de compensação, por inexistirem débitos de ICMS, implica desnervar direito à restituição, levando a que se assegure a efetiva restituição, seja em pecúnia, seja por transferência de crédito, sob pena de se transformar em quimera”
Trecho da Ementa da decisão proferida no Agravo de Instrumento nº 70080559354 – TJRS
A Tobias ADV obtém, em favor do SULPETRO (Sindicato Intermunicipal do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes no Estado do RS), em sede de Mandado de Segurança Coletivo, decisão que reconhece aos seus associados o direito de transferir saldo credor acumulado de ICMS para outros contribuintes no Estado do RS.
Segundo relatório do Tribunal de Contas para o ano de 2016, o Setor de Combustíveis e Lubrificantes foi responsável por 18,13% de todo o ICMS arrecadado no Estado do Rio Grande do Sul. Disparado o setor que mais arrecada.
Altamente fiscalizados, os postos de combustíveis diuturnamente enfrentam problemas concorrenciais, trabalhistas e ambientais; sofrem com as políticas de preço dos distribuidores e respondem por qualquer variação positiva de preço aos consumidores. Desta feita, contudo, a vitória é contra uma das teratológica modificações recentes do Regulamento do ICMS/RS.
ICMS/ST NO COMBUSTÍVEL
O ICMS no combustível, cobrado por substituição tributária, tinha no seu preço médio um preço definitivo para tributação do imposto estadual. Porque não havia qualquer relevância o preço individual em cada bomba, o imposto pago por litro comercializado era o mesmo para qualquer revendedor.
No entanto, O Supremo Tribunal Federal, em mudança de entendimento, fixou a tese de que: “É devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida”. Ainda, determinou que as Fazendas Estaduais se adequassem ao julgado, prevendo tal restituição.
Sob o ensejo de dar cumprimento ao acórdão, o Estado do Rio Grande do Sul promoveu alterações, por meio do Decreto nº 54.308/18, que, distante de prever qualquer restituição, resultaram em aumento injustificado da carga tributária.
AS ALTERAÇÕES NO ICMS/ST
Segundo a atual legislação, o imposto pago antecipadamente por substituição tributária estará muito mais parecido com uma retenção, ficando o ajuste para o final do mês.
A compra gera crédito presumido, a venda gera débito. Subtraindo-se o imposto sobre todas as vendas do imposto creditado sobre as compras, haverá, ao final do período de apuração, invariavelmente, uma diferença. Se o saldo for positivo, venda por preço maior, resultará em débito a ser recolhido aos cofres públicos; por outro lado, se o saldo da subtração for negativo, o RICMS prevê a constituição de crédito a “restituir”, passível de compensação.
Em bom português: se vender acima do preço médio, paga-se guia de complementação, se vender abaixo, acumula-se crédito em conta corrente fiscal.
Com o destaque de que, pelo entendimento da tese fixada pelo STF têm, os comerciantes que praticam preços inferiores ao presumido, o direito à restituição do imposto pago a maior desde 20/10/2016, caso não tenham proposto ação judicial. Ou seja, o saldo credor mensal já contabiliza quase 30 meses.
A DECISÃO JUDICIAL
Quanto ao Mandado de Segurança, embora o pedido fosse de afastamento de toda a nova legislação, os pontos específicos eram: além da previsão real de restituição do saldo credor de ICMS, crédito em quota única sobre estoque, produção de efeitos após 90 dias da publicação do Decreto e possibilidade de tomada de crédito quando não informada a BC pelo contribuinte substituto. Estes dois últimos pontos perderam o objeto em razão das alterações promovidas pelo Decreto 54.490/19.
O pedido liminar foi deferido pela Dra. Marialice Camargo Bianchi, para “suspender os efeitos do art. 1º, do Decreto Estadual nº 54.308/18 e, consequentemente, as alterações trazidas para o Livro III, do RICMS, por ilegais e inconstitucionais, até o julgamento do mérito, determinando que a Autoridade Coatora analise e julgue os pedidos de restituição realizados pelas Empresas Representadas pela Impetrante, de acordo com o art .22, Livro III, do RICMS”.
O Estado recorreu da decisão interpondo Agravo de Instrumento. Oportunidade em que a 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul criou um precedente. Veja o que diz trecho da Ementa do julgamento proferido:
“O art. 25-C, II, do RICMS, na redação trazida com o Decreto Estadual nº 54.308/18, ao prever a transferência, sem limitação temporal (período ou períodos seguintes), de créditos de ICMS, derivados do excesso do preço estimado e aquele efetivamente praticado, na substituição tributária para a frente, quando evidenciada a impossibilidade de compensação, por inexistirem débitos de ICMS, implica desnervar direito à restituição, levando a que se assegure a efetiva restituição, seja em pecúnia, seja por transferência de crédito, sob pena de se transformar em quimera.” (nº 70080559354 (nº CNJ: 0027844-51.2019.8.21.7000)
Até se chegar a essa definição, primeiro o Relator, Des. MARCELO BANDEIRA PEREIRA para quem “a norma prevê apenas a possibilidade de compensação do tributo, contrariando a decisão do STF que determina a restituição do imposto recolhido a maior.”
Em sentido contrário, o Revisor, DES. MARCO AURÉLIO HEINZ, abriu divergência sustentando que o instituto da compensação seria suficiente para garantir a restituição: “De rigor há o cumprimento da decisão exarada no RE n. 593.849, sob o rito da repercussão geral, onde não há registro de que a restituição se dê mediante valor em espécie.”
Por fim, o DES. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, após pedir vista, conduz ao resultado com seu voto, de onde se destacam os seguintes trechos:
“Neste passo, penso não derivar, diretamente, do enunciado do Supremo Tribunal Federal que a restituição tenha de ser feita em pecúnia, bem podendo ocorrer, na sistemática adotada quanto ao ICMS, por creditamento na conta corrente, notadamente quando a razão de ser da alteração jurisprudencial assenta, ao fim, em evitar locupletamento ilícito.”
“Ocorre que haverá casos em que o varejista, ao correr de meses, quiçá sempre, não irá apresentar saldo algum a ser objeto de compensação.”
“Por certo, nos casos em que não houver o que compensar, a restituição passa a ser uma quimera.”
“Posto isto, estou em prover, em parte, o agravo de instrumento, restringindo a liminar para assegurar a restituição do valor pago a maior, nos casos em que, comprovadamente, o varejista não contar com débito de ICMS a ser compensado.”
“Restituição esta que poderá ser em pecúnia ou mediante transferência dos créditos.”
Com isso, resta, mais do que reconhecido o direito ao créditos de ICMS sobre as vendas por preço menor que o presumido, a possibilidade de sua transferência a terceiros, como forma de se garantir a restituição.